A origem da viola da terra está relacionada com a viola portuguesa ou “guitarra”, trazida do continente no início do povoamento das ilhas. Nos livros das Saudades da Terra (ca. 1580), de Gaspar Frutuoso (1522-1591), são várias as referências a tocadores ou “tangedores” de viola. Porém, até ao século XIX, altura em que surgem representações da viola açoriana em gravuras alusivas a festividades populares, desconhece-se a sua evolução, bem como o desenvolvimento das suas características distintivas. Dotada de traços construtivos singulares e de uma sonoridade particular, a viola da terra apresenta-se segundo dois tipos principais: a terceirense e a micaelense. Instrumento predileto do povo, a viola da terra, ou viola de arame, como também é conhecida, pode encontrar-se em quase todas as ilhas do arquipélago, com variações de construção, encordoamento, afinação e técnica de execução.
As violas da terra em exposição são do tipo micaelense, sendo constituídas por uma caixa de ressonância alta, estreita e em forma de oito, com cintura pouco acentuada, braço comprido e escala com vinte e um pontos que vai até à boca. Apresentam doze cordas de arame, dispostas em cinco parcelas: as três primeiras duplas e as duas seguintes triplas. A abertura existente no tampo tem a forma de dois corações unidos, com as pontas para fora, expressão dos sentimentos do povo micaelense, simbolizando a saudade, a gratidão e o amor. Por essa razão são também designadas por viola de dois corações.
Em São Miguel têm sido muitos e excelentes os artesãos que se dedicam à arte de construir violas da terra, mas, na sua maioria, permanecem desconhecidos. Este saber, transmitido de geração em geração, permitiu que muitos desses artífices, com a construção destes instrumentos musicais, num trabalho árduo de paciência e dedicação, sustentassem as suas famílias, por vezes de forma exclusiva.
A viola da terra assumiu, ao longo do tempo, grande importância social e cultural na vida dos açorianos, marcando presença em diversas manifestações festivas tradicionais para acompanhar canções como a saudade, a sapateia, o pezinho, a bela aurora, a chamarrita, entre tantas outras. Ocupou sempre um lugar privilegiado na animação do cancioneiro popular e «partiu» para a diáspora, com muitos dos que emigravam. E os tocadores, esses, sempre foram muito apreciados, não faltando os aplausos de cada vez que dedilham, com orgulho e paixão, a sua viola da terra. [SFS]